quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Surgimento da pena privativa de liberdade: o uso das prisões como fábrica de proletários


A crise do sistema de feudos, o surgimento de uma nova classe econômica (a burguesia), a incipiência do capitalismo, as grandes migrações dos camponeses (da zona rural para a zona urbana em busca de trabalho), o aumento da miséria e, consequentemente, dos criminosos e da mendicidade, além da reforma protestante, trouxeram grandes mudanças para as prisões.
É na Idade Moderna, que surgem as penas privativas de liberdade e junto com esta a criação e construção de prisões destinadas à correção dos condenados.
Na Inglaterra, por exemplo, as houses of correction, posteriormente workhouses, eram instituições que certamente foram as pioneiras na utilização da supressão da liberdade humana como instrumento de força para movimentação econômica (GUIMARÃES, 2007). Nestas, os infratores eram corrigidos mediante trabalho e disciplina. Tais instituições foram imitadas no mundo inteiro, sendo criadas outras semelhantes em outros países[1] .
Nesta fase, a intenção era subordinar os apenados e desocupados em geral[2] ao então sistema econômico vigente, introduzindo-os aos ideais capitalistas, fazendo que estes fossem fáceis instrumentos de exploração (BITENCOURT, 1993), para que gerassem capital, uma vez que eram fonte de mão de obra.
Nas workhouses, ainda que os governantes na época tentassem passar a ideia de correção mediante o trabalho, sua única visão era o lucro exacerbado, que era gerado, principalmente, pela mão de obra barata dos presos e mendigos, uma vez que eram utilizados (à força, na maioria das vezes) como “combustível” para mover o capitalismo em surgimento, o qual carecia desta mão de obra.

Não havia interesse na reabilitação, regeneração ou correção do apenado, o que mais interessava era que ele se submetesse ao então sistema vigente, aderindo, assim, ao título de proletariado (manufatureiro).
Foi através das houses of correction e workhouses que se formaram as bases capitalistas,
[...] posto que tais instituições, além de “estimularem” o novo proletariado em aceitar as injustas regras nas relações trabalhistas, ainda garantiam que o trabalho fosse mal remunerado, pois quem trabalhasse livre e mal remunerado, trabalharia preso e sem remuneração alguma ou, então, por muito pouco. (GUIMARÃES, 2007, p. 129).

Com a intimidação desta classe agora nascente (o proletariado), o incipiente sistema capitalista avançava e começava a se fixar. Foi este sistema que resultou na origem da pena privativa de liberdade [3], como modo de utilizar a mão de obra dos reclusos na geração de capital.
Ocorre que esses trabalhos, em grande maioria forçados, sobrecarregavam os presos que viviam em estado deplorável, sem as mínimas condições de higiene. Eles eram mal alimentados e padeciam de todas as “doenças carcerárias, como por exemplo, lepras, febres, gripes, etc.
Movido pela corrente calvinista, John Howard passou a estudar minuciosamente as prisões inglesas, e expôs à sociedade a situação degradante em que se encontravam (CALON apud BITENCOURT, 1993). Antes de Howard, existiram outros estudiosos[4], mas este se destaca pelo motivo de ter visto de perto o drama dos apenados. Posteriormente, suas teses influenciariam o direito penitenciário e trariam a humanização da pena de prisão que, conseguinte, trazia no seu bojo a construção de presídios mais adequados e humanos, tendo como um dos maiores incentivadores o próprio Howard, que ironicamente morreu de uma doença adquirida no cárcere, em uma de suas visitas (CALON apud BITENCOURT, 1993).

NOTAS
1.A exemplo, as Rasphuis e Spinhis, em Amsterdã, que por sua vez foram imitadas em muitos países europeus (BITENCOURT, 2002).
2.A maioria dessas pessoas eram ex-camponeses que migraram para a zona urbana, e por não terem emprego, ou não se adequarem aos moldes capitalistas, iam mendigar, se prostituir ou cometer pequenos delitos. Sobre o assunto discorre Guimarães (2007, p. 121): “Como conseqüência direta do antagonismo de posições entre os interesses dos que perseguiam a potencial mão de obra tão necessária à solidificação do capitalismo e a recalcitrante classe de ex-camponeses – possíveis trabalhadores das promissoras oficinas manufatureiras – criou-se um exército de desocupados, que teimavam em não aderir às novas normas do sistema.”
3.Neste sentido, Guimarães (2007, p. 124) leciona: “Eis a verdadeira origem da pena privativa de liberdade, uma das maiores invenções do sistema de produção capitalista, não sendo exagero afirmar que imprescindível mesmo à sua implantação e duradoura existência.”
4.Reformadores: Beccaria, Bentham.

REFERÊNCIAS:

BITENCOURT, Cezar Roberto. Falência da pena de prisão: causas e alternativas. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1993.

GUIMARÃES, Claúdio Alberto Gabriel. Funções da pena privativa de liberdade no sistema capitalista. Rio de Janeiro: Editora Revan, 2007.
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